Cumpre-me informar que faleceu mais uma colega nossa, a Ana.
Para todas as Anas do passado, de presente e do futuro...
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
ao mundo que vai transformar-se em nuvem
hojeàs 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.Apertos de mãos quentes.
Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes FerreiraPoesia IIILisboa, Portugália Editora, 1971, 4.ª ed.
E a certeza de que não esqueremos, NUNCA!
4 comentários:
tão bonito...
Não conhecia este belo poema de JGF.
Obrigada, Ana, (mais outra Ana que "adora" nuvens, não é?)
E as nuvens são belíssimas!
As nuvens também são poemas visuais...
Continuando na senda deste poema:quando chove, temos as lágrimas dos que partiram mais perto de nós; será assim?
Um abraço o mais universal que posso a todas as Anas.
Margarida Al.
Que beleza de fotografia, Ana!!!
Uma homenagem a todas as colegas que partiram, vítimas das políticas deste ME e de José Sócrates.
Esta Ana já está em paz, mas não a esquecerei...
A imagem fala por si própria!...
Nestas situações todas as palavras parecem ser poucas para descrever a DOR!
No ano passado, perto do natal, uma colega minha de 42 anos atitrou-se da janela do 6ºandar onde vivia, logo pela manhã! A filha de 13 anos ainda a tentou agarrar... Imaginem aquela miúda e o irmão de 8 anos...
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