domingo, 9 de agosto de 2009

Nuvem (s)

Cumpre-me informar que faleceu mais uma colega nossa, a Ana.

Para todas as Anas do passado, de presente e do futuro...


Devia morrer-se de outra maneira.

Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.

Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol

a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos

os amigos mais íntimos com um cartão de convite

para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica

ao mundo que vai transformar-se em nuvem

hojeàs 9 horas. Traje de passeio".

E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos

escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir

a despedida.Apertos de mãos quentes.

Ternura de calafrio.

"Adeus! Adeus!"

E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,

numa lassidão de arrancar raízes...

(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )

a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se

em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...

como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono

ainda tocada por um vento de lábios azuis...


José Gomes FerreiraPoesia IIILisboa, Portugália Editora, 1971, 4.ª ed.


E a certeza de que não esqueremos, NUNCA!

4 comentários:

reb disse...

tão bonito...

Alergia disse...

Não conhecia este belo poema de JGF.
Obrigada, Ana, (mais outra Ana que "adora" nuvens, não é?)
E as nuvens são belíssimas!
As nuvens também são poemas visuais...
Continuando na senda deste poema:quando chove, temos as lágrimas dos que partiram mais perto de nós; será assim?
Um abraço o mais universal que posso a todas as Anas.
Margarida Al.

margarida soares franco disse...

Que beleza de fotografia, Ana!!!

Uma homenagem a todas as colegas que partiram, vítimas das políticas deste ME e de José Sócrates.

Esta Ana já está em paz, mas não a esquecerei...

Fatima Freitas disse...

A imagem fala por si própria!...

Nestas situações todas as palavras parecem ser poucas para descrever a DOR!
No ano passado, perto do natal, uma colega minha de 42 anos atitrou-se da janela do 6ºandar onde vivia, logo pela manhã! A filha de 13 anos ainda a tentou agarrar... Imaginem aquela miúda e o irmão de 8 anos...